O projeto social da Igreja Batista do Itaim Paulista existe a 15 anos graças ao trabalho voluntário de pessoas
que praticam o bem, sendo totalmente financiado pela igreja.
Um saco plástico torna-se chapéu, um pedaço de jornal transforma-se em cobertor, com papelão se constroem paredes e colchões. Ao falar em morador de rua estamos inevitavelmente falando no tipo de vida precário mais precária numa sociedade moderna.
É inegável que, a cada ano, mais indivíduos utilizam as ruas como moradia, fato desencadeado em decorrência de vários fatores: ausência de vínculos familiares, desemprego, violência, perda da autoestima, alcoolismo, uso de drogas, doença mental, entre outros. Essas pessoas já não vêem expectativas em suas vidas, se encontram em uma situação de sobrevivência fora do contexto social, sem esperanças ou sonhos, utilizando papelões e jornais como proteção do frio durante a madrugada.
Na tentativa de amenizar o sofrimento de quem dorme ao relento, a 1ª Igreja Batista do Itaim Paulista, dirigida pelo casal Pastor Aridio Barreto e Irmã Creuza, junto com o grupo de voluntários e abnegados, membros ou não da igreja, sai às ruas todas as madrugadas de terças e sextas-feiras para distribuir o tão apetitoso “Sopão da Madrugada”, projeto social da Igreja Batista do Itaim Paulista que tem mais de 15 anos consecutivos, sem qualquer recurso público.
Faça chuva ou faça sol, incansavelmente, eles levam mais de 80 porções de sopa com bastante sustância, feita com alimentos doados por membros da própria igreja acompanhado de pão e água, que é servida nos locais onde os “sem teto” costumam se aglomerar.
Apesar de ser um trabalho totalmente voluntário, segundo os participantes da equipe de distribuição, o maior ganho deste trabalho são para si mesmos. “Sinto muita emoção neste trabalho de ação social e todos os dias eu aprendo com cada uma destas pessoas necessitadas. Eles são esquecidos e muito carentes, não podemos fechar os olhos para uma realidade tão triste como esta. Posso dizer que não são eles quem ganha, somos nós mesmos, porque ao ver toda esta situação precária, aprendemos a dar mais valor à vida que Deus nos dá. Tenho muito orgulho de participar desta grande obra de Deus”, ressaltou a voluntária Maria da Penha.
Marcelo, envolvido há 6 anos na ação social do Sopão da Madrugada, afirmou que, embora o trabalho seja considerado de formiguinha, ver pessoas transformadas faz de seu trabalho voluntário uma maneira de ver Deus agir nas causas mais impossíveis que existem. “Algum tempo atrás tivemos a honra de ver uma senhora que tomava o Sopão conosco restaurar sua vida junto de sua família e com a sociedade, e o mais importante, com Deus. Vimos ela bem vestida, totalmente mudada e transformada, isto é uma gratificação muito grande e a maior prova de que Deus muda qualquer situação”.
Evangélica de berço e membro de outra denominação religiosa, Valmira não mede esforços quando o intuito é trabalhar no Sopão da Madrugada da Igreja Batista.“Faz 13 anos que eu colaboro com este trabalho, tenho um amor muito grande pela Igreja Batista, lá foi um dos lugares que eu mais recebi ajuda quando precisei, sou grata em primeiro lugar a Deus e ao amado casal irmã Creuza e pastor Aridio. Quando o assunto é obra social e evangelização, temos que nos unir e juntar nossas forças. Embora eu não seja membro da igreja, sou filha de Deus, assim como cada um aqui e este trabalho eu faço com muita satisfação no coração, sou recebida de braços abertos por todos na Igreja Batista”, diz ela.
Lucia da Silva, diz que, embora ela tenha um dia corrido com os afazeres pessoais, o trabalho do Sopão nunca foi motivo de reclamar sobre excesso de tarefas, “eu vim apenas uma vez para ver como era, desde então, não consigo mais parar de vir (risos), me sinto revigorada, por mais cansada que eu esteja eu venho e o cansaço vai embora, não faço por obrigação, mas por prazer à obra de Deus”.
Com trajetória certa, a equipe de distribuição percorre todos os bairros carentes do Itaim Paulista e São Miguel. Sabendo disto, os moradores de rua aguardam ansiosamente pela chegada do alimento noturno, sendo muitas vezes, a única refeição que conseguem obter ao longo do dia.
Nossa reportagem do
Grupo Acontece acompanha por um dia a entrega do
Sopão da Madrugada
Para conhecer de perto o belo trabalho realizado pela Igreja Batista do Itaim, nossa equipe de reportagem acompanhou por uma noite a entrega do Sopão e se deparou com algumas histórias emocionantes e vários casos trágicos de família. Todo morador de rua tem suas recordações tristes para contar, porém, infelizmente passam por um status de invisibilidade e são muitas vezes ignorados, ficando a mercê de uma situação de miséria e descaso.
O morador de rua Aparecido, 37 anos, contou para a nossa equipe que os piores dias são quando o tempo está frio, porque, além de não ter como se aquecer, a fome aumenta ainda mais. Emocionado e com lágrimas nos olhos, Aparecido diz que nem sabe como agradecer aos voluntários do Sopão da Madrugada, “eles são bênçãos em minha vida, me ajudam toda as vezes que mais preciso, sempre lembram de mim com alguma coisa, seja comida, roupa, cobertores e o melhor: eles nos dão atenção, nos fazem sentir pessoas normais e posso dizer que meu grande sonho é a libertação do meu vício, transformação da minha vida e de um filho”. Dormindo há 6 meses pelas ruas, Sr.Alcido tem enfrentado o frio da madrugada paulistana e relatou que já teve problemas com drogas, mas que hoje está limpo, “quero muito ir embora de São Paulo, não fui feliz aqui, estou sem família e desempregado, minha única opção foi morar nas ruas”.
Mauricio, 32 anos, não quis ter sua imagem publicada na reportagem, mas fez questão de dar seu depoimento e agradecer ao trabalho que a Igreja Batista faz para com eles. “Tenho um respeito muito grande por cada um deles, durante o dia eu faço um trabalho aqui, pego um papel ali... Vendo e corro atrás do meu alimento, mas a noite fica mais complicado e eles têm o coração muito bom. Estou nesta vida de morar nas ruas há um tempo, sei que um dia isto vai mudar, e sei também que preciso ter força de vontade, sempre procuro visitar alguma igreja e pedir forças a Deus”.
Outro relato que emocionou a todos da equipe de reportagem foi o depoimento do casal Lilian e Domingos, que muito simpáticos e bastante confiantes em mudar de vida, mostraram total afinidade com a equipe de voluntários do Sopão, “minha família toda é da Paraíba, faz um bom tempo que estou em São Paulo, trabalhei em várias empresas daqui, mas infelizmente recebi muitos calotes. Chegou um ponto que só me restou as ruas como abrigo”.
Questionado sobre o seu grande sonho, Domingos diz que sonha com pouco, somente o necessário, “só quero ter meu cantinho, um lugarzinho para mim e minha companheira. Morar na rua é muito ruim, temos medo, passamos fome, frio, não tenho preguiça de trabalhar, não sou nenhum marginal, apenas não tenho oportunidade e estou velho”, fala emocionado.
Marcada pelo sofrimento e pela vulnerabilidade física, a senhora Vera, de 50 anos, diz que não teve filhos nem marido e, após a morte de seu pai, o irmão a expulsou de casa. Sem opção de trabalho e sem ajuda do irmão, Vera hoje passa as noites dentro do hospital Tide Setúbal. “Faz 2 anos que eu passo a noite aqui no hospital, sentadinha na cadeira, aqui me protejo do frio e dos homens maus que tem pela madrugada”.
Vale lembrar que todos os entrevistados foram questionados sobre os Albergues, porém a resposta foi unânime: “nunca encontramos vaga”.
Cracolândia
A abordagem aos dependentes químicos que circulam pela região da Cracolândia em São Miguel, localizada atrás do Mercado Municipal Dr. Américo Sugai, é uma das situações mais criticas e assustadoras da entrega do Sopão.
“Aqui a situação é bem mais delicada, eles são totalmente dependentes químicos, já nem tem mais noção do que é uma vida social, mas nunca perdemos a esperança de que isto acabe um dia, fazemos nosso trabalho com fé de que um dia isso mude”, lamenta a voluntária Penha.
Sem autorização de imagens dos envolvidos, a equipe de reportagem conversou com alguns dependentes, porém, constatou que esse é um problema [dependência química] com uma urgência muito maior do que a transformação urbana da área, e deve ser feito dentro de uma abordagem correta, que é saúde, assistência social, segurança, um conjunto de ações integradas para que o problema seja solucionado ou, pelo menos, amenizado.